As eleições e o mandato cultural
Desde que sou eleitor, nunca vi a igreja se posicionar de forma tão contundente como tem feito em relação àquilo que ela espera do próximo presidente. Segundo as revistas de maior circulação do país, foram os cristãos que levaram as eleições para o 2º turno. A sociedade está estupefata diante de tamanho poder atribuído ao emergente cristianismo brasileiro, mais consciente de seu papel. Nem todas as posturas assumidas pelas diversas lideranças cristãs foram equilibradas ou se ativeram a denúncia das propostas anti-bíblicas dos candidatos. Algumas partiram para o ataque pessoal, demonizando um partido e santificando os demais etc. Diante desse quadro e com o objetivo de extrair o que há de melhor nele, quero chamar a atenção para duas tendências da igreja diante da escolha de novos governantes, que remontam ao século XVI.
A primeira é a dos anabatistas, movimento paralelo à Reforma também conhecido como Reforma Radical, que pregavam a alienação total da igreja em relação ao estado, sob a alegação de que não somos deste mundo. Estes dividem a realidade em duas esferas: celestial, que diz respeito ao domínio de Deus, e terrena, que compreende o domínio do Diabo. Assim, o crente deve apenas se ocupar da esfera celestial, e tudo o que é desta existência deve ser desprezado, pois ela não pertence mais a Deus. O crente deve encarar o trabalho como um fardo necessário, e nunca deve querer assumir posições de influência na sociedade ou ele acabará se corrompendo. Quanto mais tempo imerso no ambiente eclesiástico e quanto menos tempo for gasto com, por exemplo, a formação e ascensão profissional, melhor. Entrar em debates políticos, lutar por direitos humanos e procurar soluções para as reais mazelas da sociedade não é tarefa da igreja, que deve tacitamente ater-se ao celestial, à salvação de almas, enquanto aguarda o retorno de Cristo.
A segunda é a postura dos Reformadores, ou seja: o mundo é de Deus e Ele nunca o entregou ao Diabo, mesmo que este ainda aja debaixo da sua permissão. Foi Deus quem determinou que o homem deveria dominar sobre toda a sua criação e pôr ordem na sociedade (Gn 1.28), e ninguém mais apto para fazê-lo do que aqueles que foram regenerados (nasceram de novo). Todo cristão tem por missão básica o dever de exercer com excelência seu ofício. Tudo o que ele faz deve ser “de todo o coração, como para o Senhor e não para homens (Cl 3.23), quer coma, quer beba ou faça qualquer outra coisa, tudo dever ser para a glória de Deus (1 Co 10.31). Ser luz do mundo não é apenas ser diferente, mas sim iluminar as trevas onde quer que elas se encontrem. Não “se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa”, ou seja, o cristão deve se posicionar diante dos governantes, exigindo que promovam a justiça e o bem comum da sociedade. Mais do que isso, deve procurar assumir cargos de influência e governo civil, para que sejam agentes do Reino infiltrados onde, talvez por anos de descaso da igreja, as trevas hoje se fazem mais densas. Nessa perspectiva, o cristão deve ser o primeiro a se preocupar com o bem coletivo, com o futuro da nação, com a implantação dos valores do Reino na sociedade e eventual restauração dos que já se perderam.
Não é preciso esclarecer que somos do segundo grupo. Acreditamos que a igreja deve, doravante, continuar a lutar pacificamente, mas de forma articulada e inteligente, no sentido de expressar intolerância com toda e qualquer tentativa de institucionalização da iniqüidade, não por um candidato ou partido, mas por todos, não só em tempos de eleição, mas em todo o tempo. Que o Senhor dê a sua igreja o devido senso de responsabilidade para que, nestas e nas próximas eleições, mostremos àqueles que governam quem governa sobre eles.
Pr. Jônatas Vasconcelos
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